O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 200 - Escrito em: 1995-01-14 - Publicado em: 1995-01-23


Plutonium, marijuana


Você está ao micro no meio da madrugada, seu modem com as luzinhas piscando e você há horas pendurado na Internet. De repente um ruído atrás de você. Você se vira assustado, coração aos pulos e respiração acelerada: tem alguém aí? Um espião? Um ladrão? Uma barata?

Esse tipo de preocupação parece coisa de doido. E é mesmo. Outros, menos doidos, preocupam-se com quem pode estar lendo indevidamente suas mensagens enviadas via Internet. O volume de texto que circula pela grande rede através do fluxo de e-mail cruzando os quatro cantos da Terra é algo acima da imaginação. Estas informações vão quicando de site em site até chegar aos seus destinatários. Durante estes tortuosos caminhos, é possível a um usuário curioso, dotado de uma modesta máquina, estabelecer um ponto de espionagem. Basta que o curioso disponha de um programa de filtragem do tráfego, que identifique determinadas palavras-chave e capture trechos da torrente de bytes que passar por determinado nó da Internet.

Exemplo: uma mensagem que contenha os strings "plutonium" ou "marijuana" poderia ser um prato cheio para determinados órgãos de segurança. Se você só troca e-mail tratando sobre detalhes de instalação de redes locais, sobre receitas de doces ou técnicas de empinar pipa, então não tem nada a temer nem nunca terá. Que importa se estão grampeando o tráfego da rede? Que se dane. Mas tem muita gente, especialmente nos EUA e Europa, que utiliza Internet para finalidades ativistas, políticas e algumas até subversivas ou ilícitas. Esses sim, quase têm um chilique ao pensar que alguém pode estar monitorando seu e-mail.

Com o advento do PGP (Pretty Good Privacy) e outras poderosas ferramentas de criptografia colocadas ao alcance das massas, ficou mais difícil para os curiosos ficarem metendo o bedelho nas mensagens alheias. Já se pode enviar mensagens com (sinto dizer: QUASE) total segurança pela rede, especialmente agora com as estupendas chaves de 2 kb proporcionadas pelo PGP 2.6.2 (ou pelo 2.7 - a versão comercial da ViaCrypt). Estas chaves são tão formidáveis que os papas no ramo afirmam que não há na atualidade máquina suficientemente poderosa capaz de quebrá-las. Infelizmente, graças à famigerada natureza humana, tem muita gente usando essas fantásticas facilidades criptográficas para fins escusos. Fala-se em diversos newsgroups e mailing-lists sobre a utilização maciça de e-mail por cyber-marginais: traficantes de órgãos humanos, de drogas, de material nuclear, mercadores ilegais de armas e todo tipo de escória. Muitos acreditam que os velhos filtros de tráfego de mensagens ainda estão operando, mas provavelmente sem conseguir pescar muita coisa que preste, já que os piores habitantes da net, a esta altura do campeonato, só devem estar trocando e-mail PGPzado.

Alguns sujeitos de visão já previram uma necessidade de privacidade da comunidade interneteira e começaram a prover serviços de remail anônimo. Um dos primeiros foi o finlandês Johan Helsingius <[email protected]>, que estabeleceu um sistema que se tornou famosíssimo no sub-mundo da Internet.

Seu funcionamento é simples: um usuário envia e-mail para o remailer informando o destinatário real da mensagem. O sistema do remailer atribui ao remetente um código fictício anônimo e encaminha a mensagem normalmente ao seu destino. Ao receber o mail, o outro usuário, embatucado, não sabe quem foi o real remetente da mensagem, mas poderá lhe responder, bastando enviar o reply para o tal nome fictício. Mas o melhor mesmo é quando dois usuários anônimos devidamente cadastrados no Julf estão a trocar mensagens. O sistema faz o "double-blind", ou seja, um não sabe quem é o outro. Maiores detalhes sobre este remailer pioneiro, basta enviar e-mail para [email protected]. Posso lhe adiantar que, devido à super-utilização do remailer do Julf pela galera anônima da rede, severas restrições foram impostas quanto ao tamanho das mensagens. Em resumo, a coisa perdeu a graça no Julf.

Mas ainda sobraram outros remailers, não tão famosos, mas muito melhores que o do Julf. Um dos mais espertos é o apelidado "Soda", de Berkeley, California. Além de permitir e-mail anônimo e não-anônimo, ele oferece de bandeja a facilidade de postar artigos na fabulosa Usenet, também de forma anônima ou não. Resumido; é mamão com açúcar.

Baseado no tradicional remailer Cyberpunk, o Soda tem detalhes de sofisticação que o tornam especial. Por exemplo: ao final de cada mensagem anônima, o remailer insere um bloco codificado através de criptografia IDEA, mais poderosa que a legendária DES, mas ainda não considerada inquebrável. Este bloco contém a identidade codificada do remetente e permite o reply da mensagem, mantendo o caráter "double-blind" da conversa.

Outro detalhe é a inserção de um atraso de duração randômica entre o recebimento de sua mensagem e o re-envio para o destinatário final, seja usuário humano ou newsgroup da Usenet.

Para maiores informações, envie e-mail para [email protected], com subject "remailer-info", sem as aspas obviamente. Se você, cara usuária, se inclui na categoria dos espíritos-de-porco, então vai se divertir a valer, mandando mensagens anônimas mal-educadas e desaforos para uns e outros. E se você é do tipo mão-de-vaca, provavelmente já está coçando o cangote, perguntando: "E quanto custa essa brincadeira?" e eu lhe digo: calminha, que é tudo de graça.

Uma boa maneira de testar o envio de artigos para a Usenet usando o Soda é endereçar uma mensagem ao newsgroup "alt.test". A menos que você inclua no subject o string "ignore", passará a receber de diversos sites repetidores pelo mundo afora diversas mensagens-resposta informando que seu teste foi um sucesso.

Vale advertir que, ao final de cada mensagem anônima re-enviada pelo Soda, o sistema inclui uma pequena propaganda do serviço, de forma que o remetente também possa aprender a e-mailar incógnito. E de quebra, insere na mensagem algumas palavras-chave só para implicar com eventuais xeretas da rede. Da última vez que usei o Soda, por exemplo, ele inseriu a seguinte linha no cabeçalho da mensagem "X-Arbitrary-Header: plutonium marijuana".


[ Voltar ]